quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Antes da Nazaré (3)


Ana sorriu e baixou os seus, e ele benzeu-se e deu o beijo na mão, como era hábito, e ainda há muito quem o faça, mas aquele levava outra direcção.

Enquanto os padres não entravam, pois na Paróquia da Pederneira, de vez em quando, havia celebrações com mais padres, pois antes do Sítio ser conhecido, era a Pederneira, como atrás se disse, a grande e principal parte clerical, onde se reunia todo o clero das redondezas.

Como dizia, Ana e João cruzaram os seus belos olhares que não esconderam o que sentiam.

A criadita Laura, que sempre acompanhava a sua menina, não se apercebeu da razão, mas viu uma lágriam rolar pelo rosto dela abaixo, a qual não limpou e lhe veio pingar no vestido.

Tentou olhar em todas as direcções que a vista da sua menina podia abranger sem se virar, e viu aquele moço de linda figura com os olhos postos na sua adorada patroazinha.

Nem um nem outro têm os gostos estragados...

Aquele moço vestido com as roupas que os ricos usavam, fazia sombra a todos.

Seria por causa daquele olhar a lágrima da sua menina?

Assim que teve oportunidade, em casa, perguntou-lhe:

-Porque chorava na igreja?

-Chorava com pena de mim. Só Deus me pode socorrer.

-Tenha fé e calma. Não aceite o Fonfon. Diga o que a menina entender, mas não lhe crie ilusões. Diga que o seu coração não sente atracção por ele! Desiluda-o. Os seus paizinhos não a vão matar... logo se vê! Se não gosta dele, não o queira!... Olha que feio medonho!... Não queriam mais nada... Olhe, pobrezinha sou eu, e não o queria!... Olhe, minha querida patroazinha, linda e amiga, tudo quanto eu poder fazer por si, mande! Tudo o que for preciso negar, eu nego! Tudo o que for preciso afirmar, eu afirmo. Só quero é que a minha querida menina seja feliz.

-Está bem, Laura. Mas eu tenho a ceretza eu vou ter que sofrer muito.

-A minha menina pode desabafar comigo, que já sabe que eu não digo nada a ninguém. Há alguém de quem goste? Fale! Não fique triste, não posso vê-la assim!...

-Achas que se pode gostar duma pessoa com a qual nunca se falou?

-Olhe, acho, sim senhora! Os olhos também falam. Já alguns olhos bonitos lhe disseram que gosta de si? É a coisa mais natural do mundo. A menina é tão linda! Um dia o meu namorado, antes de me dizer pessoalmente que gostava de mim, disse-mo nos olhos.

-Disse? E tu entendeste logo?

-Então não entendi? O coração salta logo dentro do peito se a gente se engraça... Se não engraça, até dá raiva!...

Não me respondeu: Quem é o dono desse coraçãozinho? Se for alguém rico, os seus paizinhos não se importam de certeza...

-Pois é. O pior é se é pobrezinho...

-Deixe andar, a menina é muito novinha, pode esperar. O mundo dá muitas voltas e, quem ama tem confiança, e espera melhores dias. Vai ver que melhores dias virão. Bem, eu tenho que ir, senão a sua mãezinha desconfia de tanta conversa. No entanto, logo à noite, esteja preparada que já sabe o que a espera. Não dê esperanças a ninguém. Mas mostre bom modo a todos, para que ninguém desconfie de nada. Ai, tenho que ir!...

-Laura! O Laura! Onde te meteste?

-Ai minha senhora, desculpe, eu tive que ir fazer uma coisa, que ninguém pode fazaer por mim!

-Ah! Desculpa lá. Está bem, mas despacha-te que eu quero tudo a brilhar logo à noite. Hoje vamos almoçar na sala dos pequenos-almoços, para não enxovalhar a sala de jantar, e para tu te despachares mais depressa, pois deixas já a mesa posta para o jantar, para seis pessoas, tudo muito bem posto. Quero uma mesa linda, depois podes sair até às sete horas, mas nem mais um minuto. Portanto, vamos a despachar. Quanto mais depressa fizeres tudo, mais depressa sais.

-Tá bem, minha senhora. Esteja descansada que é para já. Vou deixar tudo como a senhora quer. A roseira grená está cheia de botões e eu vou apanhar seis, que estejam lindos, para pôr um em frente de cada lugar, mas só apanho quando chegar.

-Olha a farda preta, com a gola, os punhos e o avental de organdim com rendinha, tudo passado a ferro, que é para te fardares assim que chegares.

-Sim, minha senhora! Vai ficar tudo ao jeito, para ser como a senhora manda!

A menina Ana, que estava no quarto, quando a mãe voltou costas, veio ao corredor e disse à Laura:

-Vá, vai-te despachar, faz o que a minha mãe manda, para tudo correr bem e ela não estar enervada. Aproveita o teu paseiozinho e sê feliz! Mas tem sempre muito juízo, que o melhor é teu... Há muitos namorados e pouco casados. Enquanto tiveres juízo, mandas tu... se o perderes... Manda ele!

-Está bem. A menina é um amor! Vou-me dspachar.

Daí a um bocadinho já tinha feito tudo e já tinha mudado de roupa. O namorado já estava à espera dela à entrada do portão. Foram dar uma voltinha, ele comprou tremoços e pevides e estiveram a comê-los sentados num murinho debaixo de uma árvore. Avistava-se a praia inteira, o farol, o mar e toda a encosta. Estava uma tarde linda.

-Então o que tens feito? - perguntou Laura

-Olha, cavar nos caixins para depois desterroar, que é partir os torrões e alisar a terra, para se semear. O meu pai queria falar a três homens, que era num instante. Na brincadeira, távamos a cear, e eu disse-lhe: Oiça cá meu pai,o dinheiro que dá aos homens, dá-mo a mim, para eu ir juntando qualquer coisinha, e eu vou cavando aquilo tudo.

O meu pai ficou contente e disse que o fazia com todo o gosto, e que, ao mesmo tempo, eu ganhava saúde, ganhava amor à terra e sabia o que custa a vida.

De vez em quando ele vinha dar umas cavadelas para o pé de mim, mas eu tinha pena do velhote, que, coitadinho, já cavou tanto toda a vida, que agora merece um pouco de descanso.

-Ouve lá Raúl, quantos anos têm os teus pais?

-Olha, não sei bem... Mas a minha mãe tinha trinta anos quando nasci, já pensavam que não tinham mais filhos! O meu pai é mais velho que ela quatro anos, eu tenho vinte e dois, agora fazes tu as contas dos anos que eles têm.
-Ai! O Raúl a brincar comigo... Espera aí.
Então se a tua mãe tinha trinta, com vinte e dois, são cinquenta e dois, como o teu pai tem mais quatro, são cinquenta e seis. Não são assim tão velhotes.
-Pois não. Mas estão cansados de cavar nos caixins, semear, sachar as novidades, regar, apanhar umas e plantar outras, subir e descer esta ladeira, desde os caixins à Pederneira e vice-versa sempre carregados com os utensílios a lavoura, os cestos, os produtos e carregar também o burro com os ceirões, para baixo carregados de estrume, e para cima com o que a terra dá, e, também pasto para o gado, folhas dos hortos para os coelhos e galinhas, até caracóis para os patos. Aquele chão dá para tudo... É um terreno abençoado, mas os dias inteiros à chapa do sol?!... E, mesmo que chova, têm sempre que lá ir. Não é pêra doce!...
-Pois não! Tens razão. Eles não estão velhos, mas estão cansados. Essa vida é muito dura! Olha, acho muito bem que os ajudes, ganhas músculos, aprendes, e eles ficam felizes por verem que tu és amigo e lhes dás valor. É a recompensa do teu suor. Também, se não derem agora... Para ti é. Os teus irmãos não pedem nada.
-Pois não. Mas todos nós gostamos de ter o nosso dinheiro. Tu, quando a tua patroa te paga não ficas contente?
-Claro que fico. Mas eu sou criada deles, não são meus pais!...Também prefiro mil vezes a vida que tenho e ser feliz, do que ser rica e triste, como a filha deles, sabes? Eu vou-te contar um segredo... Mas por favor, jura que fica entre nós, que não dizes nada a ninguém.
-Juro que não conto. Podes falar à vontade.
-São pais dela que a querem casar com um rapaz, filho duns amigos deles, que além de ser parvo, é horrível. Eu sendo pobre, não o queria nem pintado. É mesmo feio!
-Eu, para ti, então, sou bonito?
-Para mim és. Bonito por dentro e por fora. As qualidades também contam. Para mim és uma bonita figura! Nunca ouviste dizer: quem feio ama, bonito lhe parec? Se calhar é o que acontece comigo...
- continua -

23 comentários:

Vicktor Reis disse...

Querida Gaivota

Vou lendo esta tua partilha e deliciado fico não só com a estória em si, como com as memórias da Nazaré de tempos idos.

Bonita mesmo...

Conheço a Nazaré há mais de cinquenta anos, mas essa estória parece que recua ainda mais no tempo...

Beijinho.

rendadebilros disse...

pois vou lendo e esperando a continuação...
Beijos.

pico minha ilha disse...

Truz, truz, posso entrar?
Lá pelo meu bloguinho tenho umas fotos dum local que visitei hoje.Apeteceu-me um banho de mar mas já tinha tomado um e não ia preparada.Beijinhos
ps deixa algo pelo meu mail que pelo fim de semana passo lá.Um bom banho de mar e um bom churrasco que também existe lugar para o fazer por lá.

Fernando Santos (Chana) disse...

Olá Gaivota, gostei da bela história....
Beijos

gaivota disse...

victor
sim, esta história tem bem mais que 50 anos! ainda a praia não existia, era mar até à pederneira...
beijinhos

gaivota disse...

rendadebiros
vou tentar continuar... é grande...
beijinhos

gaivota disse...

pico minha ilha
querida salomé, contactarei pelo mail todos os detalhes dos dias que aí estarei, obrigada, mas esses petiscos e alguns mergulhos não vão ficar em branco!
beijinhos

gaivota disse...

fernando santos (chana)
e continua...
obrigada
beijinhos

Mare Liberum disse...

Estou a seguir a história. Vi há dias um programa de televisão feito a partir da Nazaré e adorei as pessoas e as histórias. Então aquele barbeiro que tem 89 anos está ainda um belo homem. Não há dúvida de que o mar tem grande influência na nossa vida.

Beijinhos

Bem-hajas!

Fá menor disse...

Ai, como gosto de histórias de amor!!!
Quero ler mais.

Olha, amiga, andamos mesmo desencontradas... que pena não nos vermos nas ilhas! Mas já estou mesmo de saída e tu ainda não vieste...

Mais logo já estou no continente.

Quem sabe um dia nos encontramos na Nazaré?

Bjinhos

Chinha disse...

Cá estou....

Lendo a continuação e esperando pelo próximo capítulo.

Estou a gostar.

Bjitos e um sorriso

São disse...

Min ha querida, estou quase sem unhas...

Beijinhos(repartidos com os teus mais-que-tudo)

Luna disse...

Bolas, bolas, bolas, à muito que não conseguir entrar ao teu cantinho, vou tentar seguir a história
beijinhos

gaivota disse...

isamar
o mar é a vida! esse dia foi quando o meu menino nasceu... não vi nem ao natural nem na tv, mas já sabia... gente linda! como tu!
beijinhis milessssssssss

gaivota disse...

fa menor
anda até aqui!!! aparece!!!
espero que a viagem tenha corrido bem
beijinhos

gaivota disse...

chinha
é grandeeeeeeeeeeeeeee
não sei se o vou transcrever todo!
é à moda da praia, muita ondaaaaaaaaaa
beijinhos

gaivota disse...

princesa
é isso, é preciso acreditar, sempre, sem perder as esperanças!
beijinhos

gaivota disse...

são
calma....................
o book é grandeeeeeeee, vai ser devagar!
beijinhosssss

gaivota disse...

multiolhares
devem ser maus olhados fora da praia.......... lolololololol
aos bocadinhos vou "passando" o romance da francelina!
beijokinhasssssssss

Goldfinger disse...

Boa noite querida amiga

Sabe que ando muito arredado do vosso convívio e nos últimos tempos as férias também me afastaram ainda mais.
Quanto ao seu comentário sobre imobiliária, estou ao seu dispor para falar consigo quando assim o entender.
Não será fácil para mim, que me encontro na nossa região Oeste, intermediar qualquer venda fora desta zona, mas poderei encaminhar o assunto se achar bem.
O meu email é:
antonio_ingles@Hotmail.com
Se me quiser contactar por essa via poderemos trocar impressões e poderei facultar-lhe o meu telemóvel.
Peço-lhe desculpa de só agora responder mas só ontem reli os comentários que me foram enviados.
Envio-lhe um grande abraço.

António

gaivota disse...

goldfinger,
obrigada, amigo, contactarei por mail!
beijinhos

poetaeusou . . . disse...

*
ai Nazaré,
que lindo é . . .
,
pilipares
,
*

gaivota disse...

poetaeusou
deixa-te d'inchentessssssssss
pilipares