
A Nazaré vista da Pederneira, nos dias de hoje
-Atão não, coração!... Nem todas te merecem a ti, mas tu mereces a melhor do mundo!
-Mãe, as couves arrefecem!...
- Tens razão, filho. Devem tar mesmo a jeito de comer, e quando a mãe põe um osso de porco, como hoje, ainda ficam melhores.
-São sempre boas. Não deve haver hortaliça igual à nossa. Cozida, com azeite e um bocadinho de broa que vocemecê coze, ou numas misturadas... não há igual!... São tenras, saborosas e cozem rapidamente. Naturalmente é da sua maneira de fazer o comer.
-Olha filho, eu faço como via a nha mãe fazer e a gente, pela vida fora, também aprende à nossa custa. A mim também me sabe bem.
No outro lado da encosta, na sua vivenda cercada de muros cobertos de hera à volta dos jardins, também a Ana, com o olhar perdido, da varanda olhava o mar e pensava:
-Onde estará aquele moço tão belo? Aqueles olhos negros, aquele sorriso, aquela pele morena? Vestia-se com roupas de trabalho, mas tinha um ar de príncipe. De onde viria?
A mãe veio por detrás dela e tocando-lhe, perguntou:
-Em que pensas?
-Ai, mãezinha, assustou-me! Não estava a pensar em nada. O mar está tão bonito... nem corre aragem, apetece apreciar esta imensidão.
-Pois é. Mas agora vens para a mesa, que o paizinho já lá está.
-Mas que horas são? Já são horas de almoço?
-Claro que são. E o cheirinho do javali no forno, faz crescer água na boca. E, então, se deve estar maravilhoso... Ainda era leitão, e a Maria faz cá um molho que é uma delícia!
-Coitadinho do bicho! São tão lindos quando são pequeninos!... Porque não o deixaram crescer? Maior, chegava para mais vezes.
-Pois era, mas assim é mais saboroso. Vá, anda, deixa-te de pieguices e vem almoçar.
Ana mal tocou na comida. A mãe irritada, disse:
-Olha que não come com pena do bichinho!... Eles já nascem com este destino! Faz favor de comer e deixa-te de parvoíces!
-Mãezinha! Eu não como mais, porque não me apetece.
-Tens razão!, a fartura faz perder o apetite. Há para aí casas onde nem um bocadinho de pão duro há, se se apanhassem de volta desse javalizinho, até os ossos lhe comiam, só escapava o tabuleiro.
Estas meninas mimadas nunca estão bem! Nunca sabem o que querem.
O pai, para acalmar, disse:
-Deixa lá, se lhe apetecer logo à tarde, come. Olhem, falando em comer, de hoje a oito dias mandas aumentar o jantar para mais três e faz-me um jantar de luxo que eu convidei o meu amigo Jacinto, a mulher e o filho para virem passar o serão connosco e o jantar.
Ana empalideceu. O que estariam eles a preparar?
Ela tinha uma criadita para lhe fazer companhia, com a qual estava muito à vontade e lhe merecia confiança, pediu-lhe que ficasse atenta às conversas dos pais, pois estava desconfiada que eles andavam a tramar algma coisa para a casar com o Ildefonso, a quem só elas as duas, de brincadeira, chamavam Fonfon.
Que ninguém sonhasse que elas falassem nessas coisas...
A criadita chamava-se Laura e também lhe contava que tinha um namorado que trabalhava nos caixins. Os pais dos pobres não faziam casamentos aso filhos. Cada qual casava com quem quisesse. Os pais diziam-lhe para ter juízo, mas não os proibiam de casar com quem gostassem, desde que fossem honestos e trabalhadores.
-Eu gostava de casar com um rapaz mesmo pobre, mas que eu gostasse dele! Tu eras capaz de gostar do Fonfon?
-Eu? disse a Laura toda arrepiada, Antes queria ir para freira. Tarrenego! Tem mesmo cara e modos de mostrengo!...
-Para freira! É isso mesmo! Se me quiserem obrigar a casar com ele, eu digo:
-Não é que eu tenha defeitos para lhe pôr, mas por enquanto não tenho ideias nenhumas de casar, nem com ele, nem seja com quem for.
Os jardins da casa foram arranjados nesse sábado, os jarrões dos cantos e as jarras das mesinhas foram arranjadas nesse sábado anterior, com flores lindas e frescas. A mãe, no domingo, vestiu o seu melhor vestido e exigiu que a filha vestisse um de cor de esmeralda que lhe ficava muito bem com os seus cabelos loiros.
-Mas para que são estas coisas todas? Até parece que vêm cá os reis!...
-Não são os reis, mas para nós, é como se fossem!,,,
São pessoas muito influentes, muito ricos, têm um filho único e são os melhores amigos do teu pai. Portanto, é bom que te vás habituando à ideia do teu pai querer juntar as famílias.
-Credo! Mãezinha! Não poso acreditar que ficava feliz de me ver casada com aquele feio medonho, e, ainda por cima, com cara de parvo! Não me diga que o que os pais têm não chega para mim, mesmo que eu case pobre, mas que seja uma pessoa de quem eu venha a gostar.
-Olha filha: os teus avós é que fizeram o meu casamento e, até à data de hoje, eu ainda não me arrependi.
-Mâezinha, por favor! Não queira comparar o paizinho, que é um homem bonito e inteligente, com o feio e parvo do Ildefonso, que tudo nele é horrível! até o nome! Pelo amor de Deus, não me sacrifiquem ao dinheiro. Eu não estou à venda! Prefiro ir para freira...
-Ai valha-me Deus!!! Como é que vou dizer isso ao teu pai!...
-Não sei. Só sei que aqui na Pederneira há muitas raparigas bonitas que casaram com rapazes pobres e bonitos, que vivem felizes e têm filhos lindos! Eu quero ter filhos lindos! Dixem o destino correr. Eu sou muito nova e não fiz mal a ninguém para ter um sacrifício desses!
Dia de missa, dia de venda, o João e a mãe lá foram à Pederneira com a sua carroça carregada de cestos cheios de produtos que tinham para vender.O João descarregou a carroça e foi amarrar o animal enquanto a mãe arrumava a venda. Quando chegou, disse à mãe:
-Vou à missa.
-Vai sim filho.
Como a missa ainda tinha começado, o João escolheu um lugar onde não desse nas vistas, pois já sabia o lugar onde ficava a beldade dos seus encantos.
Ana ao chegar com os pais pouco depois, discretamente percorreu toda a igreja com os olhos, até se encontrarem.
- continua...